Há muito tempo, num reino mágico e distante chamado Imaginália. Nasciam duas lindas princesas filhas do Rei Alcer e da Rainha Alethia. Fortes e formosas, as duas meninas assim como todos aqueles que nasciam naquele reino, receberam um dom especial. A mais velha, Alícia, recebeu o dom da cura. Já a mais nova, Zarina, recebeu lábios mágicos que quando tocavam algo que não fosse alimento, transformava-o em ouro. Mais do que um simples dom, esse pequeno encanto carregava preso a ele a vida de todos aqueles que o recebia, e quando uma pessoa abria mão dele por qualquer que fosse o motivo, era levada a morte, e nem mesmo um dom de cura ou ressurreição poderia lhe devolver a vida.
A rainha Alethia tinha o dom da verdade. Ela podia ver claramente a mentira nos olhos, nas palavras, na voz, e até no coração de qualquer pessoa que dela se aproximasse. Já o rei Alcer, tinha o poder da luz. No seu reino nunca havia escuridão, pois sua presença iluminava toda a terra encantada. E na guerra, seu poder era essencial, pois sua forte luz cegava seus inimigos levando então o seu exército á vitória.
Quando as duas princesas nasceram e seus pais passaram a ter conhecimento dos seus dons, surgiu uma preocupação especial com a jovem Zarina, a mais nova das crianças. Seus pais entenderam que com o dom que a pequena possuía ela jamais poderia conhecer o amor de um homem. Afinal, como poderia ela dar um beijo de amor verdadeiro no amado se tudo o que por seus lábios era tocado em ouro se transformava? Seria um grande sofrimento para a pobre moça! Então, para poupá-la de tanta dor o rei e a rainha prometeram nunca a deixar sair do castelo, para que não houvesse o risco dela encontrar um homem pelo qual se apaixonasse. Ela seria criada até o dia do seu ultimo suspiro, nas limitações de seus muros.
O tempo passou, e as pequenas meninas deram lugar a duas belas moças.Zarina tinha uma pele branca como o leite, longos cabelos ruivos enfeitados por grandes cachos que faziam graça ao redor do seu perfeito e delicado rosto. Rosto esse que recebia mais graça com seu lindo par de olhos verdes como a mais bela e rara esmeralda. Seu corpo, tinha delicadas curvas, e suas longas pernas pareciam fazer flutuar os pés quando andava. Alícia, também era uma moça formosa, tinha uma pele também branca como o leite, mas os seus cabelos tinham cor do chocolate e eram longos e lisos. Seu corpo, tinha curvas mais ousadas, mas ela não possuía a graça e a leveza de sua irmã.
Zarina, com toda a preocupação dos seus pais, foi criada com o pensamento de que sua missão enquanto vivesse era manter o reino rico em ouro para que o seu povo jamais viesse a conhecer a fome e a pobreza. E mesmo cercada por muros a linda jovem cresceu com um coração puro, cheio de amor e ternura, livre de qualquer maldade existente no mundo e fora dele. Já Alicia, mesmo sendo livre, cresceu inconformada com toda a atenção que sua irmã tinha, ela se negava a entender o motivo de tanto cuidado de todos do castelo para com a irmã, ela não aceitava o fato de que mesmo possuindo o dom da cura, que ela considerava mais importante até que o da sua irmã, ela recebesse menos atenção. A menina cresceu invejosa e egoísta, no seu coração desejava ser a única princesa daquele reino. Ela queria o reconhecimento, queria ser idolatrada pelo seu miraculoso dom. E então um dia, ela decidiu que daria um jeito de saciar o seu ego, tornando a sua vontade real.
Numa manhã de primavera, enquanto conversavam no jardim, Alícia perguntou a sua irmã se sua mente não trazia curiosidade alguma sobre o que havia por trás dos muros do castelo. Surpresa com a pergunta, Zarina respondeu que sempre imaginou e se perguntou que tipo de mundo era aquele que havia além das limitações impostas a ela, mas que jamais questionou seus pais por saber que jamais teria respostas concretas e também porque já estava ciente e conformada com a sua missão na terra e que nada mais para ela importava. Alicia não desistiu e foi mais além. Descreveu o canto dos mais diversos tipos de pássaros, o som das águas caindo sobre as cachoeiras, os cheiros, as cores, as pessoas ... até que então conquistou o seu primeiro objetivo: despertar a curiosidade e o brilho de ansiedade nos olhos da irmã!
Com a curiosidade da irmã despertada, Alícia partiu para o seu perfeito plano. Na manhã seguinte antes mesmo que o rei e rainha acordassem, pois se sua mãe as encontrasse logo perceberia a mentira em seus corações, ela vestiu Zarina como as empregadas do reino que saiam pouco antes do sol nascer para comprar os alimentos para a ceia da família real. O plano era perfeito, Zarina passaria despercebida pelos guardas desde que não falasse nem olhasse diretamente para eles, pois o seu rosto estaria coberto por um capuz. E foi quando Zarina passou pelos portões do castelo, que Alícia vibrou ao ver a segunda parte de seu plano concluída.
Zarina se maravilhava com tudo aquilo que os seus olhos podiam ver, seus ouvidos ouvir, suas mãos tocar, sua boca saborear, e seu nariz o aroma sentir. Ela não queria parar, não queria voltar para casa, e então foi mais além! Ela caminhou até a floresta encantada e se apaixonou por todo ser que encontrou no caminho. Até que então, cansada, deitou-se perto de um lago para se recuperar e comer alguns dos morangos que colheu durante o seu percurso pela linda mata.Nesse exato momento um príncipe de um reino vizinho que passava pelo local, se maravilhou quando se deparou com tal beleza que reinava naquela jovem. E a princesa quando o viu, não pode controlar a surpresa agradável que sofria naquele exato momento. Timidamente assustada, a jovem tentou correr, mas foi impedida pelo rapaz que a convenceu a ficar para que pudessem se apresentar formalmente e então se conhecerem um pouco mais. Ambos estavam curiosos um pelo outro, e inevitavelmente já atingidos pela flecha do amor.Zarina, perdidamente apaixonada, passou a fugir todos os dias do castelo com a cobertura da sua irmã para encontrar o seu tão querido amado. Alícia, começava a comemorar o já previsível sucesso da terceira e última parte do seu plano.
As fugas duraram cerca de um mês, até que então num dia em que passava mais uma tarde ao lado do seu amado a jovem foi surpreendida com um pedido. O príncipe queria um beijo! Nesse exato momento Zarina sentiu o seu mundo desmoronar , e então ela pode entender o real motivo pelo qual os seus pais a mantinham trancada. Ela jamais poderia amar alguém! Jamais poderia beijar verdadeiramente com amor a pessoa amada pelo seu coração. Ela NUNCA poderia corresponder devidamente aos carinhos de um homem! Desesperada, ela empurrou o príncipe livrando-se dos seus braços e fugiu de volta para o castelo. Por uma noite inteira a jovem moça chorou, e em uma noite ela decidiu por fim a tudo aquilo. Na manhã seguinte ela tomaria coragem e diria para o rapaz que não o amava.
Chovia naquela manhã, mas a jovem princesa não podia adiar aquilo. JAMAIS! Se ela não o fizesse imediatamente, perderia a pouca coragem que com grande esforço já havia adquirido, e no horário de sempre partiu ao encontro do príncipe.Ao chegar no lago, onde sempre se encontravam, a princesa não o viu, e desesperada sentou-se ali mesmo em meio á chuvarada e esperou rogando com dor aos deuses que o levassem ao seu encontro. Passou-se toda manhã, a tarde chegou e ainda chovia, foi ai então que o príncipe apareceu. Feliz por ver a sua amada, o rapaz correu em sua direção e a abraçou intensamente. Com lágrimas nos olhos porém lavadas pela chuva, ao se soltar a moça olhou para ele, e encarando intensamente os seus olhos disse que tudo aquilo aquilo não passou de uma ilusão, que jamais poderia amar um príncipe de um reino que nem se quer era mágico,e que ela possuía poderes dignos de uma deusa, embora não os pudesse revelar, e que jamais poderia lhe dar ao luxo de se juntar á um simples comum. Ofendido e com o coração arrasado, o príncipe não podia acreditar nas palavras que saiam da boca de Zarina, não podia crer de forma alguma que os poucos, porém lindos momentos que viveram juntos não passaram de nada além de mentiras. Desesperado ao ver o seu amor partir o príncipe acreditou que a princesa não poderia ter certeza de seus sentimentos sem antes provar um intenso e caloroso beijo de amor verdadeiro. Com os olhos cheios de esperança e acreditando fortemente de que se á beijasse ela voltaria a ter certeza de seu amor por ele, o príncipe a segurou e a puxou pelo braço tocando então com sede os lábios da mulher que tanto amava. E eis então que óbvio e terrível veio a acontecer.
NÃAOO! Gritou Zarina ao empurrar o rapaz e vê-lo cair duro como pedra no chão. Nesse instante ela desejava a morte, e amaldiçoava os deuses por permitirem que tal tragédia acontecesse. MEU BEIJO CONDENOU O MEU AMADO A SUA MORTE! Gritava ela! Seus olhos não paravam de derramar lágrimas, suas mãos desesperadas corriam pelo corpo endurecido e reluzente do seu grande amor tentando encontrar sem sucesso um sinal de vida sequer, mas tudo era em vão e ela sabia disso! Até que então ela se lembrou da sua irmã. Sim, Alicia! Ela tinha o dom da cura, ela sim poderia ajudá-la. Sem exitar Zarina correu em direção ao castelo a procura dela.
Quando encontrou sua irmã e sua ultima esperança, Zarina se lançou aos pés de Alicia e em meio a prantos e soluços contou a sua história e clamou por sua ajuda. Ao terminar de ouvi-la Alicia a chutou violentamente machucando o rosto da pobre moça. Sem entender nada e com os olhos cheios de confusão e dor, ela pediu uma explicação para tanto desprezo. VOCÊ ZARINA! VOCÊ É O MOTIVO POR TUDO ISSO TER ACONTECIDO! Gritou Alícia amaldiçoando a sua irmã, e falando então toda a verdade por trás de suas atitudes. Falou de que cada acontecimento na vida dela, desde a fuga até o encontro com o príncipe, tinha sido cuidadosamente planejado por ela. Ela cuidou para que a irmã fugisse no dia em que o príncipe visitava as redondezas do reino, e que se ela não o tivesse encontrado tão rapidamente no lago ela daria um jeito de tornar tal encontro possível o mais rápido que pudesse. Disse que desde o dia que soube da existência de tal homem soube que ele seria o único pelo qual o seu coração seria capaz de amar, e que aproveitando-se da ingenuidade da irmã fez com que ela o encontrasse. MAS PORQUE MINHA IRMÃ? PORQUE ME ODEIA TANTO?PORQUE ME TEM TANTO DESPREZO! Com a voz cheia de ódio Alícia gritou para Zarina todo o motivo de sua repulsa. Disse que abominava toda a atenção que ela recebia e que deveria ser dada a ela, que odiava ter que viver em função da proteção de um ser fraco e desprovido de ganância, e que ela era a favorita do rei para ocupar o lugar de sua mãe mesmo sem poder casar-se. Disse que cansou de viver a sombra de alguém quando ela tinha tanto poder quanto ela.Disse que a invejava e que a abominava por isso, e que se ela quisesse que o seu amado tivesse de volta a sua vida, Zarina deveria abrir mão do seu dom para ela. MAS EU VOU MORRER! Disse a pobre moça. QUE MORRA! Berrou a irmã cheia de raiva. QUE MORRA E FAÇA DE MIM A ÚNICA E MAIS PODEROSA FILHA!Escolha entre a sua vida e a vida daquele verme.
Não tenho culpa de ter nascido assim Alicia, e muito menos o meu amado tem culpa por eu despertar em você tanto ódio! Se for para escolher entre a minha vida e a dele, escolho a dele. Não permita que sua pobre alma pague por sua inveja! Tome o meu dom de livre e espontânea vontade minha, eu o entrego a você e compro com isso a minha morte. Mas por favor! Salve o homem que um dia eu tanto amei. ENTÃO QUE ASSIM SEJA! Respondeu Alicia em tom de vitória, e tocando com a mão o lado do coração de sua irmã. Uma forte luz se acendeu ao redor das jovens moças, a de Zarina se apagando aos poucos e a de Alicia ficando mais forte a cada momento. Ela tomava a vida daquela que era sangue do seu sangue.Ao terminar a transferência do poder, Alicia encarou sua irmã pela ultima vez dizendo que faria exatamente como havia dito, e partiu em direção ao principe deixando a pobre Zarina debilitada em meio ao chão molhado do jardim.
Ao chegar no local onde se encontrava o príncipe Alicia lançou sua mão sobre o corpo do rapaz e lançando palavras de cura trouxe-o devolta a vida. Ao se encontrar naquela estranha situação o príncipe indagou a malvada princesa sobre as coisas que haviam acontecido. Nada sobre as coisas que ocorreram ela citou. Apenas o encarou! E sorrindo disse que se ele ainda quisesse ver a sua amada, ela o aguardava quase morta no jardim do castelo. Desesperado o jovem correu a procura do seu lindo amor, e ao encontrá-la a tomou nos braços a tempo de ouvir suas ultimas palavras:
" Não houveram mentiras. Houve apenas amor ".